A moça em prantos
O poeta encontrou uma pedra no meio do caminho, nunca esqueceu dessa pedra, que lhe deu assunto para o seu poema mais conhecido. Não sendo poeta, encontrei não uma, mas infinitas pedras no meio do caminho.
Mas jamais esqueci a primeira moça que vi chorando. Eu devia ter seis ou sete anos, achava que só as crianças podiam e deviam chorar, tinham motivos bastante para isso, desde as fraldas molhadas nos primeiros meses de existência até a inexpugnável barreira dos “não pode”.
Mesmo assim fiquei imaginando a causa do seu pranto. Faltara à escola e por isso ficara sem sobremesa? Fora proibida de brincar na calçada? Queria ganhar uma bicicleta e fora convencida a continuar com o insípido velocípede?
Vi muita gente chorando depois, homens feitos, mulheres maduras. Eu mesmo, quando levo meus trancos, repito o menino que ia para debaixo da mesa de jantar para poder chorar sem passar recibo da minha dor. A moça que chorava não se escondera, chorava de mansinho, na verdade nem parecia estar chorando. Devia apenas estar muito triste porque misturava todos os motivos para a sua tristeza.
Carlos Heitor Cony, Folha de São Paulo, 04/05/2003)
“Eu devia ter seis ou sete anos, achava que só as crianças podiam e deviam chorar”
Os termos sublinhados são de mesmo sentido.
“fiquei imaginando a causa do seu pranto”
Não ocorre a fusão da preposição com o artigo feminino diante de complementos nominais.
“Faltara à escola e por isso ficara sem sobremesa?”
Houve crase, pois o termo antecedente exige preposição e o consequente aceita o artigo feminino.
“fora convencida a continuar”
Não há crase diante de verbos, pois o verbo não admite preposição ‘a’, tornando a crase nesse caso, facultativa.
“que ia para debaixo da mesa de jantar para poder chorar”
© copyright - todos os direitos reservados | olhonavaga.com.br